“À mulher de César não basta ser honesta, tem de parecer honesta”
Caso conseguissem se lembrar desse dito popular e soubessem como aplicá-lo à questão política, tanto conservadores olavettes como conservadores não-olavettes teriam muito mais sucesso ao empreenderem sua cruzada contra o esquerdismo totalitário que vem, segundo eles próprios, assolando o país há pelo menos 14 anos.
Por que construi uma assertiva de tamanha ousadia para um mero blogueiro de internet com um público relativamente pequeno? Por uma série de razões muito simples cujas explicações não constituem, é lógico, um tratado sobre política, mas podem ajudar a esclarecer alguns pontos sobre a razão de eu vir descarregando as mais diversas críticas aos grupos conservadores.
Primeiro, é óbvio para qualquer ser humano que tenha mais de 10 anos de idade e mais de três neurônios ativos no cérebro que, quando lidamos com indivíduos, quer dentro do âmbito político, quer fora, até nos é possível, mas nem sempre nos convém, dizer tudo o que queremos e o que pensamos.
Para ficar em dois exemplos simples e muito cotidianos, o que pensaríamos de um homem que nos contasse ter dito de maneira pouco agradável e muito direta à sua namorada com problemas em relação a sobrepeso que esta deveria tomar um tanto mais de cuidado em relação à alimentação? Não pensaríamos, por exemplo, que sua sinceridade é, no mínimo, perigosa para ele próprio em termos de segurança?
Da mesma forma, quantos de nós teríamos a ousadia de dizer a um soropositivo cuja vida pregressa foi repleta das mais diversas experiências sexuais pouco seguras que este só colheu o que plantou? Mesmo se quiséssemos agir com crueldade, não pensaríamos pelo menos que dizê-lo poderia gerar um conflito desnecessário entre ambos?
Ora, se em episódios cotidianos não expressamos tudo aquilo que nos vêm à mente, por que o faríamos em pleno palanque político? Por que um conservador anti-gay ou mesmo anti-casamento gay não pode, por exemplo, se abster de despejar seus preconceitos pouco fundamentados ou seu discurso anti-casamento gay excessivamente rebuscado enquanto o partido que quer ver fora do poder ainda está no poder?
Não é permitido a um conservador criacionista, outrossim, abster-se de atacar o evolucionismo em um ambiente cultural em que o criacionismo já não tem mais a mesma força e em que defender essa doutrina pode ser uma arma utilizada pelo oponente para desmerecer qualquer outra ideia sua?
E um conservador monarquista, então? É mesmo necessário fazer campanha em prol da volta dos Bragança ao poder quando até mesmo a República que, segundo os próprios, foi incutida como valor essencial na mente dos brasileiros, está prestes a ruir e a dar lugar a um sistema em que tanto monarquistas quanto republicanos terão suas vozes caladas?
Cito, por fim, um exemplo um tanto diferente, mas que gerou uma divergência com dois bons amigos, o liberal Caio Vioto e o professor de Filosofia Francisco Razzo. Se “utópico” é um adjetivo que, na maioria dos casos, não tem uma conotação tão negativa quanto “assassino” ou “genocida”, por que, ao descrever o conceito de “comunismo” em plena internet, lugar em que as pessoas procuram ideias prontas e acessíveis intelectualmente para defender, preferir utilizar aquele adjetivo, tornando o Comunismo só mais uma ideia a ser seguida, e não estes, que são muito mais efetivos do que qualquer argumento anticomunista no combate ao esquerdismo?
Trocando em miúdos, o que me incomoda no discurso conservador não é tanto o seu conteúdo em termos filosóficos, mas a sua forma pouquíssimo chamativa – que homossexual, ateu, umbandista ou negro em sã consciência apoiaria uma corrente política que, mesmo afirmando não detestá-lo, não dá mostras de que se preocupa com sua situação como, para esses grupos, deveria? – e, principalmente, os momentos ainda menos oportunos em que tais ideias são veiculadas.
Em resumo: é lindo citar o luminoso-mestre das olavettes com sua famosa platitude “moderação na defesa da verdade é serviço prestado à mentira”. A realidade, porém, quase nunca é tão, digamos, “charmosa”, e é por isso que é também preciso lembrar que burrice e ingenuidade políticas na defesa da verdade são esse serviço em triplo.
Octavius é professor, graduando em Letras, antiolavette e polemista medíocre. Espera que, agora sim, a galera entenda a motivação central dos textos linkados e de todos os outros. Pena, porém, que esperança nunca foi seu forte.